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O varejo está fadado às vendas digitais?
Não é de hoje que as vendas digitais são um fantasma para quem atua exclusivamente no varejo físico. Desde que a venda pela internet se tornou possível, há quase 30 anos, não há um ano no qual algum especialista do mercado deixe de decretar a morte da loja física. Esse terror aumentou após a explosão do uso dos dispositivos móveis (smartphones e tablets) que permitiram ao cliente procurar, pesquisar e efetuar uma compra sem sair de casa. A pandemia de Covid-19 não melhorou a situação. Ao contrário.
O isolamento social imposto pelas autoridades obrigou o fechamento de quase todos os estabelecimentos comerciais e aqueles que não possuíam canais digitais (e não conseguiram pensar em uma solução a tempo) simplesmente deixaram de vender. Diante desse cenário, ficou claro que não basta ter apenas um negócio físico para sobreviver. Não só pelo risco de uma nova pandemia, mas pelo fato de o consumidor ter mudado a sua forma de comprar antes mesmo da crise do coronavírus.
É por isso que hoje o omnichannel – a venda e a comunicação com o cliente através de canais integrados – não é mais uma tendência, mas uma necessidade.
Para a consultora, especialista em Shopper Marketing e Comunicação, Juliana Nappo, o conceito já está até desgastado porque não existe mais varejo sem integração de canais. “A partir do momento em que você tem um celular na mão não existem mais barreiras entre os canais porque, por exemplo, você está dentro de uma loja, mas com o celular na mão, navegando no mesmo momento da sua jornada em dois canais. São só dimensões de um mesmo universo”, diz.
“O shopper já está muito familiarizado com isso, já não vê mais diferença da loja física com o marketplace. Ambos fazem parte da sua jornada de compras”, completa.
Isso quer dizer que o varejo será um universo apenas de compras online? Para a consultora não. Segundo ela o varejo físico vai continuar tendo o seu papel, mas nesse momento ainda está encontrando seu caminho.
“Não acredito que o varejo está fadado ao digital porque estamos falando de pessoas. O momento do consumo, a busca pela solução de uma necessidade passa por uma experiência. Cada canal escolhido pelo shopper vai satisfazer uma necessidade daquele momento”, afirma Juliana Nappo, lembrando que algumas categorias de produtos exigem uma experiência mais imersiva por parte do consumidor ou um atendimento específico que só pode acontecer em um ambiente físico.
A jornada de compra mudou com o digital
É um fato: a jornada do consumidor mudou depois do advento da internet e ela não voltará mais a ser como antes. Não é uma opção acreditar nisso ou não. Basta observar nosso próprio comportamento.
Segundo o maior nome do marketing mundial, o norte-americano Philip Kotler, em seu último livro, Marketing 4.0, o caminho que atualmente uma pessoa faz para adquirir um bem de consumo ou serviço é composto por 5 etapas, que ele chama de 5 As: Assimilação, Atração, Arguição, Ação e Apologia.
É possível perceber exemplos dessas etapas no nosso dia a dia. Entramos em contato com um produto através de um anúncio publicitário ou pela recomendação de alguém (assimilação). Então nos interessamos pelo produto que vimos na publicidade ou nos foi recomendado (atração) e, em seguida, passamos a pesquisar informações sobre ele em sites, redes sociais e também ouvindo a opinião de pessoas que já o compraram (arguição).
Depois de tirar todas as dúvidas e encontrar o melhor preço e condição de pagamento fechamos a compra (ação), para então, depois de usufruir do bem ou serviço, opinarmos sobre ele para alguém, na internet e fora dela (apologia).
É possível que alguma das primeiras etapas seja suprimida na prática, mas não há como fugir do fato de que a venda enfrenta um momento crucial na etapa de arguição, o momento em que o cliente busca mais informações no digital.
Antes esse processo acontecia dentro de uma loja, diante da prateleira ou no atendimento de um vendedor. Hoje pode ser totalmente online, o que faz – não raramente – com que o interessado acabe sabendo até mais sobre o produto do que muitos funcionários que o vendem em uma loja.
Em 2020, muitos brasileiros experimentaram uma jornada totalmente digital pela primeira vez. “Tivemos um crescimento do e-commerce nunca visto no Brasil. Muita gente que nunca havia aderido ao e-commerce está buscando alternativas para atender suas necessidades. Isso é uma questão que não tem volta. As pessoas que aderiram ao e-commerce para compra de itens de alguns segmentos vão manter esse hábito porque viram conveniência nesse tipo de compra”, afirma Juliana Nappo.
Mesmo assim, o estabelecimento físico mantém uma grande importância.
Lojas físicas são um convite à experiência
O papel da loja física no varejo moderno não acabou, nem foi reduzido. É mais justo dizer que ele está mudando. Se antes era o centro de toda a jornada de compra do consumidor, lugar onde ele descobria, testava e comprava, hoje é mais um espaço para a experiência.
O local onde o cliente pode tocar, conhecer, experimentar o produto e, neste processo, tirar qualquer tipo de dúvida que tenha sobre o mesmo, sendo com o auxílio de um vendedor ou não. É difícil imaginar que alguém vá comprar um carro, um móvel ou um eletrodoméstico mais caro sem antes querer vê-lo ao vivo, mesmo que os sites hoje possuam recursos que permitam até fazer simulações hiper-realistas.
“O e-commerce tem limitações de experiência sensorial, de atendimento técnico… O ponto de venda físico deve ser o lugar de contato com as marcas e de construção de relacionamento, criando uma ligação com o shopper em sua jornada”, explica Juliana Nappo.
Físico e digital não devem competir, mas sim atuar juntos. É o conceito chamado phygital (união das palavras physical e digital, em inglês) no qual as ações de venda, promoção e comunicação são integradas e “se ajudam”, conduzindo o cliente para a compra enquanto oferece a ele a opção de conhecer e escolher o produto onde e como quiser.
Na prática, isso acontece em dois cenários, também descritos por Philip Kotler em sua obra: o showrooming e o webrooming. No primeiro caso, o consumidor fica interessado por um produto, vai até uma loja para vê-lo e testá-lo e depois concretiza a compra em um e-commerce. No segundo, a pessoa pesquisa sobre o item na internet, assiste vídeos e lê avaliações e, quando decide pela compra, vai até uma loja física próxima.
As duas ações são comuns atualmente, o que mostra para o varejista que é importante pensar em estratégias de canais que “conversem” entre si, como prega o conceito do omnichannel.
No final, não importa onde a venda acontece, contanto que aconteça e o cliente fique satisfeito com a sua experiência.
“O varejo físico que vai perdurar nos próximos 10, 15 anos não vai ser o varejo que a gente está acostumado. Vai ser um varejo de experiência, de prestação de serviço, muito mais completo na sua entrega para atender um momento importante na jornada do shopper que não é o fechamento nem do conhecimento do produto – isso ele faz na internet”, avalia a consultora.
Empresas unem vendas digitais e físicas
A Amazon abriu em Nova York e em Madri lojas nas quais vende apenas produtos classificados com 5 estrelas em seu site. São opções para encantar o consumidor que está na rua e deseja obter um produto rapidamente. A gigante americana também adquiriu a rede de supermercados Whole Foods e tem trabalhado no crescimento das vendas de alimentos pela internet enquanto mantém e reforça as lojas físicas.
No Brasil, o Magazine Luiza é uma das empresas mais adiantadas no processo de integração de canais. Loja física, site e aplicativo oferecem ao cliente a chance de fechar uma compra de acordo com a sua conveniência e de receber o item comprado como quiser.
A rede de materiais esportivos Centauro é outro bom exemplo de integração. Quando o cliente faz a compra de um item pelo site da empresa, mas opta por buscar o produto em uma loja física, ao retirá-lo recebe de brinde do estabelecimento um vale-desconto para adquirir algo no local no mesmo dia. Assim uma compra no ambiente digital pode levar o cliente a realizar também uma compra no espaço físico.
Juliana Nappo enxerga um mercado em adaptação, no qual indústria e varejo estão se reorganizando para que todos os formatos de venda tenham espaço. A consultora lembra que no Brasil o crescimento do e-commerce traz, principalmente para o pequeno varejista, o desafio de lidar com a logística da entrega, o que adiciona complexidade à venda.
“As startups de tecnologia de logística tiveram crescimentos absurdos para atender essa necessidade nos últimos tempos. São questões estruturais que precisam ser resolvidas. Mas a tendência é que tenhamos sempre um combinado de canais para atender às necessidades desse shopper. O varejo não está fadado ao digital”, conclui.
Fonte: Novarejo