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Varejo está ameaçado com avanço da indústria na venda direta ao consumidor?
Não é uma novidade para o varejista que setores da indústria de alimentos e bebidas visem diretamente ao consumidor. A venda “porta a porta” de produtos básicos, como o leite, é uma alternativa tradicional oferecida para famílias que vivem em áreas isoladas ou consomem essas categorias em alta quantidade. Mas o que era algo circunstancial agora virou estratégia de negócio: os fabricantes estão cada dia mais interessados em saltar intermediários e chegar à casa do público final sem que este precise sair dela.
Ambev, Nestlé, Danone, P&G, Mondelez. A lista é significativa, e seus integrantes têm o denominador comum de serem grandes players do mercado, com robustez para montar operações de larga escala. O que mudou em relação à prática tradicional do porta a porta é a forma de distribuição: a internet permite reduzir custos logísticos e massificar as vendas, além de possibilitar divulgação por meio de e-mail e de outras ferramentas digitais.
Líder de eficiência operacional da AGR Consultores, Rodrigo Catani aponta três motivos para a adoção dessas iniciativas pela indústria de bens não duráveis. “Primeiro, a riqueza do contato com o consumidor sem nenhum filtro, para saber o que as pessoas consomem, em que dias e horários. A venda direta permite uma série de ações promocionais que, no varejo, acabam ficando mais distantes”, explica.
As outras razões são de ordem prática: fidelizar e reduzir custos – desejos de qualquer fabricante. “O consumidor que compra leite dessa forma, recebendo em casa, tende a não comprar outra marca”, exemplifica o especialista.
A Nestlé é uma das empresas que apostam na venda direta ao consumidor por meio do Ninho na sua Porta. Trata-se de um clube de assinaturas, uma versão moderna da venda porta a porta, mas com maior flexibilidade e garantia de receita. “O segmento de leites é caracterizado por compras frequentes e recorrentes, além de possuir altíssima penetração nos lares. O serviço tem planos de entregas a cada 30 ou 60 dias, em quantidades de 12 a 48 litros por período”, explica a empresa. O frete é gratuito e, por enquanto, o serviço está disponível para a Grande São Paulo.
Estratégia parecida é utilizada para as máquinas e cápsulas de café da marca Nescafé. Nesse caso, muda o perfil de consumo e é possível fazer compras esporádicas. Foi com a Nescafé que a Nestlé explorou inicialmente as vantagens da venda direta, primeiro com um distribuidor e, depois, por conta própria. “Após o período de aprendizado, optamos por seguir com essa operação internamente e estamos bastante satisfeitos com a nova dinâmica de condução do negócio, ainda mais próxima do público”, diz a fabricante, sem revelar números.
Aprendizado com cafés
A venda direta ao público final de máquinas e cápsulas foi explorada pela Nestlé inicialmente com distribuidor e depois por conta própria. Fora do segmento de alimentos e bebidas, a P&G adotou projeto semelhante para as lâminas de barbear da Gillette utilizando o canal digital para vender produtos mais sofisticados da marca.
“Sabemos que o consumidor busca conveniência no dia a dia, e isso significa poder comprar um produto de sua preferência na hora em que ele deseja e ainda recebê-lo em casa. Sabemos também que, muitas vezes, quando a compra de lâminas é feita por uma mulher, ela nem sempre se sente preparada para escolher a melhor opção para o homem, e a compra online ajuda nessa decisão”, exemplifica Juliana Gattaz, gerente de comunicação de Gillette no Brasil.
O Gillette Club também começou funcionando apenas para a região da capital paulista, mas agora está sendo expandido nacionalmente. Há ainda outros modelos, como o site de entregas Zé Delivery, da Ambev, que tem feito sucesso ao vender cervejas da empresa a preços competitivos; e o e-commerce com objetivos específicos, como a Loja Lacta, criada pela Mondelez para a Páscoa, mas que já ganhou operação integral.
Já no varejo físico, o exemplo vem das cafeterias Casa Bauducco, no modelo de franquias. Neste último caso, muda toda a avaliação logística do negócio. Mas, em todos os modelos adotados pela indústria, existe o desejo de conectar diretamente a marca ao consumidor.
A expansão dessas iniciativas indica ao menos algum nível de sucesso. Os números de mercado dão indícios. Segundo a Euromonitor International, a venda direta de alimentos e bebidas totalizou, em 2017, R$ 6,1 bilhões, com uma alta real de 5,7% sobre 2016.
Ameaça ao varejo?
O avanço da venda direta vai ameaçar o varejo alimentar? Segundo Rodrigo Catani, head de eficiência operacional da AGR Consultores, um canal não vai substituir o outro, e os supermercados vão conviver com essas iniciativas. Ele cita exemplos de outros mercados em que isso aconteceu. “Sempre houve o medo de que a Nike Store tirasse espaço das varejistas de calçados e artigos esportivos. Mas as vendas de Nike naquelas lojas aumentaram, com maior exposição de marca, mix diferente em cada lugar. No final, todos se beneficiaram”, diz.
Outro fator é que, se as vendas diretas crescem, a dos supermercados também evoluem, apesar da oscilação do cenário econômico. Em 2017, segundo 47º Ranking de SM, o faturamento do varejo alimentar foi de R$ 458,9 bilhões, com alta real de 3,6% sobre o ano anterior. O que está em jogo é o acesso aos hábitos de consumo das famílias. E, tradicional detentor dessas informações, o varejo pode até se beneficiar dos novos meios de venda criados pelos fabricantes. A Nestlé, por exemplo, aproveita as informações obtidas com a venda direta ao consumidor para aprimorar sua operação no varejo. Segundo a empresa, esses aprendizados são compartilhados com varejistas, que se beneficiam dos dados coletados por região para definir um sortimento mais assertivo.
Mas, afinal, como a venda direta impacta o varejo alimentar? Esse impacto é igual para todos os formatos? O atendimento direto da indústria ao consumidor não vai acabar com o autosserviço de alimentos (veja quadro ao lado), sobretudo em negócios com posicionamento claro. É o caso do atacarejo, que tem crescido com foco em preço e custo baixos. “O mais provável no curto e médio prazo é que o cash and carry continue a crescer, beneficiando-se de sua proposta de valor”, avalia Robin Bartling, sócio da consultoria Bain & Company.
Esse cenário, contudo, é restrito às grandes regiões metropolitanas e não inclui polos regionais onde o pequeno e o médio varejo tradicionalmente têm a preferência das famílias. Como se antecipar, então, à chegada da venda direta a essas localidades?
Para Rodrigo Catani, da AGR, a proximidade que o pequeno e o médio varejista têm com o cliente final pode ser extremamente valiosa. O especialista acredita que as redes menores devem apostar na flexibilidade. “Ele conhece muito bem o consumidor da região. É preciso se apropriar disso, apostar no delivery, no agendamento de entrega, em serviços que só ele pode proporcionar”, aponta o consultor.
Além disso, vale lembrar, o consumidor deverá continuar sendo omnichannel. Ou seja, ele seguirá frequentando e integrando diversos canais de compra, conforme a ocasião de compra e sua necessidade em cada momento específico.
Fonte: Portal SM